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Policiais e manifestantes entram em confronto durante um protesto em Lima, na noite de terça-feira Foto: ALESSANDRO CINQUE / REUTERS

O governo peruano está massacrando os manifestantes

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Tradução
Gercyane Oliveira

Os protestos no Peru após o impeachment de Pedro Castillo não dão sinais que devem diminuir. Diante da repressão letal, os manifestantes não exigem mais apenas eleições, mas a renúncia da presidente Dina Boluarte e uma nova Constituição.

No dia 7 de dezembro, o Congresso do Peru votou pelo impeachment do Presidente Pedro Castillo.

Não foi a primeira vez. Foi a terceira tentativa de impeachment, um dos muitos meios empregados pelo Congresso, pelas elites e pela imprensa para tirar Castillo do poder. Naquele mesmo dia, Castillo chocou o país com sua resposta: uma declaração para a nação na qual ele decretou a dissolução do Congresso.

A manobra desesperada de Castillo não encontrou apoio. As forças armadas e a polícia federal rapidamente viraram as costas a Castillo, o prenderam e o entregaram ao Procurador Geral da República, enquanto o Congresso se apressava no impeachment e no empossamento de sua vice-presidente, Dina Boluarte. Ela já havia rompido as relações com Castillo semanas antes. Indo em direção ao Congresso – a instituição mais desonrada e desprezada do país – e ignorando aqueles que já saíram às ruas para convocar as eleições, Dina Boluarte anunciou que seu governo completaria seu mandato em 2026.

Nos dias seguintes, Boluarte esteve com a oposição política de Castillo, incluindo aqueles que nunca aceitaram a vitória eleitoral do ex-presidente. Diante desses eventos de rápido avanço, o povo respondeu depressa. Organizaram manifestações na maioria das regiões do país, rejeitando Boluarte, exigindo eleições imediatas e o fechamento do Congresso, e até exigindo uma nova constituição. O governo reagiu militarizando as ruas. Foi declarado estado de emergência, levando o exército para várias regiões, embora não estivessem dispostos em conter os protestos civis de forma moderada.

Apelos Vazios pela Paz

Embora o Congresso tenha aprovado eleições para 2024, essa data permaneceu distante da demanda por eleições imediatas, e a onda de protestos cresceu ainda mais. A reação da polícia e do governo foi desproporcional e violenta. Em 21 de dezembro, o número de mortos tinha chegado a 27, muitos como resultado de ferimentos de bala na cabeça e no corpo.

Mesmo com este nível de violência, Boluarte decidiu conceder o cargo de Primeiro Ministro a Alberto Otárola, que até então servia como Ministro da Defesa – encarregado das forças armadas e responsável pelas mortes de civis que causaram. Sob estas condições desfavoráveis, os manifestantes, sem voltar atrás em suas reivindicações, suspenderam temporariamente os protestos para as festas de final de ano para honrar seus mortos e permitir que a atividade econômica fosse retomada em suas cidades e vilas.

Mas as operações policiais não se limitaram aos protestos. Dirigentes populares e membros da oposição política tornaram-se alvos de perseguição policial, com batidas em vários locais com prisões sem a presença de um representante legal do distrito. Eles até fizeram uma visita com ameaças à casa de um membro do congresso.

O governo de Boluarte, agora reconhecido por muitos como um regime civil-militar, ao mesmo tempo tentou deslegitimar os protestos, um projeto apoiado pela mídia dominante, de propriedade da elite peruana. Em suas declarações, afirmou que os protestos eram liderados por terroristas ou por criminosos em defesa de suas economias ilícitas.

Entre as acusações e o assassinato dos manifestantes, os militares e a polícia – as instituições responsáveis pelas mortes – apelaram para contra-argumentar “pela paz” a fim de reforçar sua narrativa de um inimigo violento. Este conceito contraditório de paz apresentado pelo governo foi em sua maioria ignorado como uma postura vazia.

À medida que os dias passaram, foram se acumulando vídeos e fotos de acusações que implicam a aplicação da lei, que fabricaram provas contra manifestantes e se infiltraram em marchas para incitar à violência. Tudo isso abalou ainda mais a legitimidade da polícia e de Boluarte, que não condenaram a reação violenta e exagerada da polícia, apesar das esmagadoras provas que circulavam.

O Massacre de Puno

Em 4 de janeiro, quarta-feira, 2023, foram retomados os protestos na capital e em outras regiões, com grandes mobilizações, paralisações e barricadas de rodovias. As reivindicações permaneceram firmes, pedindo a renúncia de Boluarte e passando uma mensagem forte: os cidadãos que tomavam as ruas não reconheciam a legitimidade de um governo que consideravam manchado de sangue, um governo que os acusava de serem terroristas e que preferia enviar soldados para atirar no povo do que enviar membros do governo para dialogar com eles.

Então, na segunda-feira, a tragédia aconteceu mais uma vez. A repressão violenta das manifestações em Puno, no sudeste do Peru, causou a morte de 18 pessoas. Entre os mortos estava um médico que nem sequer participava. Vídeos confirmaram a brutalidade da polícia no que se tornou o segundo massacre – após o de Ayacucho, onde 10 foram mortos em um único dia – praticado pelo atual governo.

Sem fim à vista

A revolta que começou em dezembro, e que hoje contabiliza 47 mortes e mais de 500 feridos, não mostra fim à vista, apesar dos esforços do governo para retratar uma interrupção de manifestações durante as férias como um “retorno à calma” proporcionado por suas ações.

O regime civil-militar de Boluarte se aliou aos segmentos da população que perderam as eleições de 2021. Seus representantes do governo levam aos meios de comunicação de elite para fazer apelos pela paz que soam tão cínicos quanto vazios. A “paz” de que Boluarte fala consiste em anistia para seu governo, apesar de seus abusos e assassinatos, e um retorno a uma estabilidade que nunca beneficiou a maioria.

Boluarte parece ignorar o fato de que a dor pelos mortos – e o desejo de justiça que ela produz – tornou-se outra razão para se mobilizar. Os protestos não se referem mais apenas à exigência de eleições, trata-se de pessoas que exigem sua demissão imediata e uma nova constituição peruana. As condições do Peru parecem gritar, parafraseando Emiliano Zapata, que se o povo não tiver justiça, o governo de Boluarte não terá a paz que está pedindo.

Sobre os autores

Oscar Apaza

é um arquiteto peruano e ativista urbano.

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Published in América do Sul, Cultura, Notícia and Política

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